 
					“Voraz”: cozinha de autor acessível no mercado do Barreiro
Com este Voraz, o Mercado 1.º de Maio, no Barreiro, pôs-se no topo da cena gastronómica nacional para perguntar: e se a cozinha Michelin praticasse preços justos para as nossas carteiras?
 
                                                        Nem Michelin nem alta gastronomia – não se lhes fale, nem a Bruno Xavier nem a Tiago Santos, de fine dining: o que eles querem é fazer cozinha de autor a preços justos para a carteira. A humildade fica-lhes bem – quase tão bem como o nome do restaurante que abriram no Mercado 1º de Maio, no Barreiro: Voraz.
“Voraz é uma palavra que fala por si”, diz Xavier (ou chef Bruno Xavier, como é chamado pelos que ainda não se sentaram ao balcão de estilo industrial, porém íntimo, com que o Voraz recebe os clientes). “Escolhemo-la porque ela tem a ver com a nossa vontade de fazer de mais, de abrir um projeto diferente, aqui no Barreiro, onde sentimos que há um subaproveitamento de muitos talentos e de muitos produtos locais.”
Tiago Santos, a outra parte da dupla (que tem raízes na Margem Sul), explica como isso se materializa: “Trabalhamos com o máximo de sazonalidade e localidade sem qualquer blindagem à nossa criatividade.”
E as ideias, conta, “surgem da forma mais estapafúrdia”. Um dos pratos mais pedidos ao balcão do Voraz, de leitão, tem uma história curiosa: “O nosso parceiro de vegetais é a Courela dos Pegos. Um dia fui lá e percebi que o João alimenta a porca, a Ameixa, com os excedentes das feiras de produtos biológicos. Também percebi que fico mesmerizado a ver um porco comer, então decidi alimentá-la e a dada altura estou a atirar-lhe batata-doce lilás, batata-doce amarela… e penso: “Porque não fazer um prato do que o porco está a comer?” Depois, juntos, pensámos que devíamos chafurdar no empratamento e usar uma técnica meio Jackson Pollock, em que puséssemos o cliente a chafurdar com a carne nas cores.”
 
                                                Na carta, “que está sempre a mudar”, há espaço para quem não come carne, na secção do menu intitulada de “para devorar” (outra há que é “para partilhar”). Quem puder provar o wellington de beterraba, feito com beterraba biológica, demi-glace de legumes assados, cogumelos salteados, puré de batata trufado e plantas halófitas do Tejo (€16) não vai, com certeza, sentir saudades de proteína animal. Para quem não abdica da carne, atenção à língua de vaca corada em caril (uma entrada ou prato para partilhar por €9) ou à vitela estufada à portuguesa em molho de tomate-provençal (para um, por €17).
No capítulo das sobremesas, uma daquelas que respeita a nova vaga de não abusar da doçura: a torta de laranja do Algarve com sorbet de amêndoa e suas telhas crocantes, cenoura em gel e em goma cítrica (€6) ou, para quem gosta de viver a vida no limite da glicose, o pudim abade de Priscos com presunto fumado, sorbet de ananás, chutney de abacaxi, biscoito de baunilha e bacon crocante (€8).
Ao balcão, porém, não se servem só entradas, pratos e sobremesas. “Isto é quase um teatro. Há noites em que há stand-up comedy, há noites de peça dramática, há noites de monólogos”, explica Tiago. Isso quer então dizer que os chefs explicam cada prato a cada cliente? Não. Mas se houver interesse, há o que contar: “Não há um prato na nossa carta que não seja intelectualmente escrutinado. Não pomos um prato na carta só porque sabe bem. Há sempre uma história e um caminho percorrido.”
Nessa troca – em que o cliente lança uma pergunta e obtém uma resposta – não há mistérios. Estes chefs também andam nisto para fazer amigos.
	“Viemos para o Barreiro porque havia necessidade da própria região
 de ter coisas diferentes; e havia necessidade pessoal, minha e do Tiago, de abandonar outros sítios onde não conseguíamos pôr a nossa identidade no prato.”
				Para isso, continua, “queríamos abrir algo pequeno, mas que fosse nosso, que fosse acolhedor, que fizesse quem está aqui sentir-se como se estivesse em casa de um amigo que está a cozinhar, que abre o forno e fala connosco e pergunta pelos nossos gostos e que, com um bocadinho de sorte, acerta naquilo de que gostamos.” Resultado, o que fazem é fine dining? “Não, mas é fun dining.”
 
			 
	